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sábado, 1 de setembro de 2012

Escrita Ortográfica & Crianças

 
 
VARIAÇÕES ORTOGRÁFICAS E A NORMA
OS TIPOS DE ERROS ORTOGRÁFICOS QUE 
AS CRIANÇAS COMETEM AO ESCREVER

A aprendizagem da ortografia vem passando por diversas mudanças no decorrer dos anos. Inicialmente, esse aprendizado era visto como um processo reprodutivo, baseado em treino e memorização. As crianças eram levadas a fazer cópias e ditados a fim de decorar a grafia correta das palavras. Atualmente, propõe-se uma visão gerativa da ortografia, admitindo que as crianças geram a grafia das palavras de acordo com sua concepção e conhecimento da língua escrita (Cardoso-Martins,1995; Morais, 2000, 2003; Lemle, 2003). As crianças têm, portanto, um papel ativo no processo de aprendizado do sistema de escrita.

Sendo assim, os erros ortográficos que as crianças cometem ao escrever ganham um novo sentido. Os erros ortográficos das crianças expressam o já sabem sobre o sistema ortográfico e como o que ainda não sabem. Dessa forma, os erros passam a ser uma importante fonte de conhecimento sobre o processo de aprendizado da linguagem escrita pela criança.
Os erros ortográficos que aparecem comumente no texto das crianças principalmente nas primeiras séries do Ensino Fundamental (Carraher, 1985; Correa, 2001; Meireles, 2004, Souza, 2006), onde as crianças se encontram numa fase de transição da escrita alfabética para uma escrita ortográfica, podem ser assim classificados:
a) Troca entre letras com sons foneticamente semelhantes – a criança troca letras que possuem alguma semelhança fonética. As trocas mais comuns são os fonemas sonoros (/b/,/d/,/g/,/v/) pelos surdos (/p/,/t/,/k/,/f/). Exs: chocolade (chocolate), era uma fez (era uma vez), laco (lago).
b) Dificuldade no uso de marcadores de nasalização – a criança pode omitir, trocar ou usar de modo não-convencional os marcadores da nasalização. Exs: criaças (crianças), bamho (banho), demte (dente).
c) Dificuldade com as regularidades contextuais – a criança ao escrever não leva em consideração o contexto, ou seja, a posição da letra na palavra, para escolher a letra ou dígrafo que representem o fonema que quer escrever. Exs: coragosa (corajosa), pasear (passear), serreias (sereias).
d) Dificuldade na escrita das regularidades morfossintáticas – a criança erra por não levar em consideração os aspectos morfossintáticos da língua que regem a grafia da palavra. Exs: acharão (acharam), falace (falasse).
e) Dificuldade na marcação de acentos gráficos – a criança omite o acento gráfico ou acentua a palavra de forma indevida. Exs: nao (não), la (lá), historia (história).
f) Dificuldade na escrita de sílabas complexas – a criança encontra dificuldade na escrita de mais sílabas complexas, ou seja, daquelas que fogem do padrão consoante-vogal (CV). Esta dificuldade pode aumentar no caso de encontros consonantais, dígrafos ou sílabas travadas. Exs: sempe (sempre), bincando (brincando), melor (melhor).
g) Erros de Segmentação – A criança pode agrupar as palavras indevidamente (hipossegmentação) ou desmembrar as palavras em dois ou mais segmentos (hipersegmentação). Exs: sichamava (se chamava), em controu (encontrou), nafloresta (na floresta).
h) Modificações na palavra – a criança omite, adiciona ou desloca letras, dificultando a compreensão da palavra. Exs: espe (sempre), emtarro (entraram).
i) Erros por referência à fala – nas hipóteses iniciais da criança acerca da relação entre a língua falada e a língua escrita, as relações entre as letras e fonemas são concebidas de maneira biunívoca. Sendo assim, a criança erra ao tentar reproduzir em sua escrita a palavra da mesma forma como esta é pronunciada, fazendo uso da hipótese da regularidade de natureza biunívoca entre fonemas e letras. Ex: veis (vez), mininas (meninas), ispanto (espanto).
j) Dificuldade na escrita das irregularidades da língua - a motivação para a escrita destas palavras está ligada à sua origem, envolvendo, portanto alguma forma de memorização. A criança erra por optar por uma letra que não é a forma convencional de grafar a palavra, embora seja uma escolha possível entre as representações disponíveis na língua para o fonema que pretende grafar. Exs: ora (hora), comesou (começou).
l) Erros por hipercorreção – ao compreender cada vez mais a distinção entre língua falada e língua escrita bem como abandona o ideal de uma regularidade absoluta na correspondência entre letra e som, a criança começa a se corrigir. Neste processo, a criança pode fazer generalizações indevidas para contextos onde certa regra não deveria ser empregada. Exs: resistio (resistiu), paes (pais), does (dois).
m) Troca de letras por semelhanças na grafia – a criança troca uma letra por outra que possui semelhança na grafia. Exs: mome (nome), geriam (queria).
n) Omissão de letra – a criança omite uma letra, sem motivo aparente. Exs: dis (disse), digitalido (digitalizado).
A criança ao aprender a escrever terá que refletir sobre a língua escrita a fim de compreender seus diferentes aspectos: fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos. Aos poucos a criança irá perceber que não podemos escrever exatamente da mesma forma que as palavras são pronunciadas, o que a fará refletir sobre as irregularidades da Língua Portuguesa.
Ainda existem várias dúvidas a respeito de como tratar o ensino e a aprendizagem da ortografia da Língua Portuguesa. Porém, é importante ressaltar que o ensino da ortografia não deve estar dissociado da leitura e produção de textos. Isto porque ao ler e ao escrever seus textos, a criança estará utilizando de forma significativa a ortografia e compreendendo claramente uma das principais funções da ortografia: facilitar a comunicação por meio da normatização da grafia. Este ensino também precisa ser sistematizado de acordo com os objetivos que se deseja alcançar com determinado grupo de alunos. Portanto, um maior conhecimento sobre como se estrutura o sistema ortográfico da Língua Portuguesa se faz necessário, a fim de entender melhor os progressos e dificuldades que as crianças enfrentam nessa fase.
 
Ana Caroline F. de C. e Souza
Mestre em Psicologia – UFRJ


Referências

Cardoso-Martins,C.(Org.). (1995). Consciência fonológica e alfabetização. Petrópolis: Vozes.

Carraher, T. N. (1985) Explorações sobre o desenvolvimento da competência em ortografia em português. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1(3), 269-285.

Correa, J. (2001). A aquisição do sistema de escrita por crianças. Em J. Correa, A. Spinillo e S. Leitão. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. 19 – 70. Rio de Janeiro: Nau/FAPERJ.

Ferreiro, E. e Teberosky, A. (1985). Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas.
Lemle, M. (2003). Guia teórico do alfabetizador. São Paulo: Ática.

Meireles, E.S. (2004). A tarefa de erro intencional prediz a competência ortográfica da criança? Investigações acerca de aspectos morfossintáticos e contextuais da Língua Portuguesa. Dissertação não-publicada. Rio de Janeiro: UFRJ.

Morais, A. G. (2000). O aprendizado da ortografia. Belo Horizonte: Autêntica.

Morais, A. G. (2003). Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo: Ática. Souza, A. C. F. C. (2006). Análise da escrita ortográfica de crianças em diferentes contextos de produção de texto. Dissertação não-publicada. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

3 comentários:

  1. Querida Rosangela, parabéns pelo texto.
    Beijos ótimo sábado e excelente domingo

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  2. Olá Rosângela!Parabéns pela postasgem.Um lindo domingo a você.

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  3. Olá Multiplicadora Rosângela, obrigado por fazer parte da nossa Família de Educadores.

    Estamos encantados com as informações deste blog maravilhoso!
    Multiplicadora será um enorme prazer publicar (se quiser) também este cantinho, já estar tudo pronto; é seguir os passos já conhecidos e pronto, estará publicado!

    Fiquemos na Paz de Deus e até breve.

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